Entrevista de emprego: as lições do não

A não aprovação nas entrevistas de emprego pode gerar ferramentas para o autoconhecimento.

Quando o assunto é recomeço, trabalho, invariavelmente, ocupa uma posição de destaque. Não importa o motivo que o afastou do ambiente profissional, mas se retornar for imperativo, prepare-se para uma rotina que o levará a alguns percalços e muito autoconhecimento.

Nada mais eficiente do que um NÃO para nos injetar uma boa dose de questionamentos.

As primeiras ‘portas na cara’ que recebi, confesso, foram um murro na minha autoestima. Era duro constatar que “não me queriam”.

– Fala sério! Esses vinte e tantos anos de experiência não me servem pra nada?

– Como assim, não me escolheram? Eu tinha todas as qualificações!

Esses foram os primeiros pensamentos que meu ferido ego tratou de produzir.

Mas, vamos ao cenário: economia em baixa, desemprego no mais alto índice, idade acima da média, afastamento de um ano da área de atuação.

Sejamos realistas. Enfrentar a concorrência não é mesmo tarefa fácil diante desse quadro. Eu tinha duas alternativas: culpar o mundo por ser tão injusto; ou continuar tentando e buscar modos de melhorar minhas chances.

Confesso que no começo o NÃO me deixava desolada. Era um tal de remoer e repassar entrevistas, dinâmicas de grupo, respostas dadas. E a pergunta que nunca tinha resposta: POR QUE NÃO?

Esse é um grande mistério dos processos de seleção, que pouco oferecem de retorno sobre os procedimentos e parâmetros de avaliação. Limitando-se, na grande maioria das vezes, ao ambíguo argumento da tal ‘aderência à vaga’.

Desse modo, peregrinei atrás de recolocação no mercado por dois longos anos, sabendo que minha idade era um limitador.

Pesquisas mostram que entre os que procuram emprego a faixa entre 40 e 55 anos é uma das mais rejeitadas.

Com o passar do tempo passei a fazer dos NÃOs um estímulo para novas buscas. Paralelamente, comecei a juntar os poucos feedbacks que recebi às minhas próprias percepções das portas na cara, e passei a focar no que poderia fazer para melhorar e ser irresistível me contratar. Agora não era arrogância, era sobrevivência.

Precisava sobreviver. Por mais fé que eu tivesse em Deus e tudo que Ele fez e pode fazer por mim, sabia que ele tinha me dado ferramentas que eu precisava usar, desenvolver. Já estavam em mim. Porque todos nós carregamos uma dose de qualidades e talentos que são só nossos. É a base da equidade. Nascemos com uma essência, um dom que precisa ser treinado.

Pensando assim, e sabendo que a escrita é minha vocação desde a infância, comecei a produzir um diário de bordo. Não somente sobre a busca por emprego, mas sobre várias situações que aconteciam naquele período, no meu dia a dia.

Fui colocando no papel minhas descobertas. Por vezes felizes, outras decepcionantes, mas sempre com uma lição a tirar.

Lembro-me de um processo de seleção, em especial, que seria realizado em uma cidade vizinha, cerca de 25km de casa. Tinha o dinheiro contado para as passagens de ônibus, mas só para o intermunicipal. Ainda era preciso andar uma boa distância da minha casa até a rodoviária. Ida e volta, somavam 4km.

Naquele dia, o sol não apareceu e uma chuva fina e constante, era só mais um dos obstáculos para chegar até lá. Enquanto caminhava e via meu look de candidata padrão ficar levemente comprometido, tentava pensar que valeria a pena: a vaga era muito boa! Não pela remuneração, mas pelo ambiente de trabalho. Seria uma chance incrível de vivenciar algo novo e num ambiente que sempre tive vontade de estar.

Vencida a etapa trajeto e condições climáticas, duas horas e meia após sair de casa, ali estava eu com mais quatro pessoas concorrendo a uma oportunidade de trabalho muito bacana. Foi curioso perceber que a empresa disponibilizou uma banca de quatro profissionais para analisar cinco candidatos.

E assim, encaramos as perguntas e dinâmicas de praxe sobre quem somos; preferências; produtividade; eficiência; e todas aquelas questões que são tão importantes para a empresa, quanto dúbias para o candidato.

Uma ponte não finalizada, que deveria ser montada à base de palitos de fósforo e barbante, foi o saldo da dinâmica de grupo que nos forçou a uma autoanálise dos resultados.

Tentando ser realista com a frustração da tarefa não cumprida, fiz o mea culpa que pode ter sido determinante para mais um NÃO, enviado por e-mail antes mesmo de eu cumprir meu trajeto de volta pra casa.

“Coisa feia” pensei, numa autopiedade misturada com vergonha. Aos poucos, minha certeza de ser boa profissional foi chegando à dura constatação de que ser bom somente não bastava, era preciso parecer melhor que os outros. Vi naquele dia meus concorrentes justificarem por “N” motivos o não cumprimento da tarefa. Mas nenhum deles assumiu para si a responsabilidade, só eu.

Eu acreditava piamente que ser honesta era algo a ser levado em conta. Como o feedback da empresa limitou-se a um agradecimento pela participação e por informar a intenção de seguir com outro candidato, jamais saberei.

E assim fui somando em meu diário de bordo minhas conclusões pessoais sobre os tais processos seletivos. Deles, restou como aprendizado: tão importante quanto O QUE somos é COMO somos percebidos.

Feito a autoanálise, segui em busca do SIM, sem deixar de valorizar o NÃO.

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